Qual o tratamento?
O tratamento inicial do cancro da cabeça e pescoço depende de vários fatores, nomeadamente do diagnóstico histológico, do local e estadio do tumor primário, bem como do seu comportamento biológico e resposta esperada à terapêutica.
Fatores adicionais que influenciam a escolha do tratamento inicial são as complicações e sequelas do tratamento. Os órgãos afetados com este tipo de cancro, desempenham funções vitais de extrema importância como a fala e comunicação, a alimentação e a respiração, e na sua abordagem e tratamento deve ser valorizado e otimizado quer o impacto fisiológico (funcional) do tratamento quer o impacto anatómico e estético, uma vez que a aparência facial e corporal do doente ficará muitas vezes alterada. O tratamento escolhido poderá afetar temporária ou definitivamente estas funções básicas do ser-humano e portanto deve minimizar-se as sequelas decorrentes do mesmo.
Mais uma vez, se refere a importância de um diagnóstico precoce para minorar as sequelas do tratamento e facilitar a reabilitação de cada doente.
Em geral, os doentes com tumores em estadio inicial são submetidos a um tratamento de modalidade única, como cirurgia ou radioterapia e os doentes com tumores em estadio avançado requerem tratamento multidisciplinar com uma combinação de cirurgia e radioterapia ou quimioterapia e radioterapia. Assim, a contribuição multidisciplinar de todas as especialidade oncológicas é essencial para alcançar resultados terapêuticos ideais.
Quando a cura não é possível, a atenção volta-se para o tratamento paliativo para controlar ou prevenir os sintomas ou para desacelerar a progressão da doença.
Cirurgia
A cirurgia continua a constituir o tratamento curativo mais eficaz para a maioria das neoplasias da cabeça e pescoço. Em tumores da cavidade oral, cavidade nasal e seios paranasais assim como nos tumores das glândulas salivares, tiroide, tecidos moles, ossos e pele, a cirurgia é o tratamento de escolha. O mesmo se passa com doentes selecionados com tumores da orofaringe e laringe.
A cirurgia torna-se também necessária para o resgate de tumores persistentes ou recorrentes após radioterapia ou quimiorradioterapia.
De forma a minimizar o impacto que a cirurgia do tumor primário pode ter, é essencial o recurso à Cirurgia Plástica reconstrutiva, de forma a restaurar o órgão e a função após uma resseção tumoral, especialmente no cancro da cavidade oral. Da mesma forma, pode ser utilizada a quimioterapia chamada de indução para reduzir o tamanho do tumor e assim a mutilação associada à cirurgia. Pode ainda ser necessária a elaboração de uma prótese (dentária ou facial) para repor a capacidade de engolir ou falar e permitir um
Para além da cirurgia do tumor primário, a maior parte dos doente é submetida a uma cirurgia no pescoço, o esvaziamento cervical, onde são removidos os gânglios linfáticos das áreas metastizadas ou em risco de metastização.
No pós-operatório, o doente apresenta muitas vezes necessidade de alimentação por sonda nasogástrica ou por PEG (gastrostomia percutânea endoscópica) durante o período de cicatrização, assim como é muitas vezes necessária a realização de uma traqueostomia (abertura na traqueia para respirar) que poderá ser permanente ou transitória.
Radioterapia
A radioterapia utiliza raios de alta energia para eliminar as células tumorais. Afecta as células tumorais apenas na área tratada. É um tratamento realizado em ambulatório durante vários dias seguidos.
A radioterapia definitiva (curativa) inclui técnicas de radioterapia externa e/ou braquiterapia. A evolução das técnicas de radioterapia utilizadas, com técnicas tridimensionais, IMRT (intensity-modulated radiation therapy) e IGRT (image-guided radiation therapy) demonstraram aumentar a eficácia e reduzir a morbilidade, pelo que são as técnicas recomendadas.
Cerca de 30 a 40 % dos doentes com carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço apresentam-se em estádio precoces (estadio I ou II). Estes doentes são geralmente tratados apenas com uma modalidade terapêutica: cirurgia ou radioterapia.
Nos doentes tratados inicialmente com cirurgia, o tratamento pós-operatório (adjuvante) com Radioterapia, associado ou não a quimioterapia, está indicado sempre que existam factores de maior risco de recorrência (como estádio patológico mais avançado, margens positivas ou insuficientes, invasão linfovascular ou perineural, extensão extraganglionar, etc.).
As áreas de drenagem ganglionar cervical devem ser cuidadosamente avaliadas e irradiadas sempre que indicado.
Na doença avançada/irressecável, a radioterapia pode ser utilizada como tratamento paliativo com intenção hemostática (no caso de hemorragia) ou antálgica (para melhor controlo da dor).
Quimioterapia
A quimioterapia consiste na administração de agentes citotóxicos sistémicos (circulam por todo o organismo). Os agentes mais utilizados são os platinos, taxanos e fluoracilos, com diferentes mecanismos de ação.
O cetuximab é o anticorpo monoclonal que inibe o receptor epidérmico do factor de crescimento (EGFR) que está presente na superfície de algumas células. É um fármaco utilizado no carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço (não nasofaringe), em combinação com a quimioterapia.
Imunoterapia
A imunoterapia é também um tratamento sistémico.
Os fármacos aprovados no tratamento do cancro de cabeça e pescoço são o pembrolizumab e o nivolumab.
Tratam-se de um anticorpo monoclonal, uma proteína, que foi concebida para reconhecer e bloquear um recetor (alvo) chamado PD-1. Alguns cancros produzem uma proteína (PD-L1) que se liga ao recetor PD-1 para inibir a atividade de certas células do sistema imunitário (as defesas naturais do organismo), impedindo-as de combater o cancro. Ao bloquear o recetor PD-1, o fármaco impede o cancro de inibir a atividade dessas células imunitárias, aumentando assim a capacidade do sistema imunitário para matar as células cancerosas.
Tratamento da doença localmente avançada
O carcinoma espinocelular da cabeça e pescoço localmente avançado apresenta alto risco de recorrência locorregional ou metastização à distância. O seu tratamento deve ser sempre avaliado e decidido de forma multidisciplinar, tendo em conta a localização anatómica da lesão e a sua extensão, factores individuais (idade, comobilidades, preferencais do doente), assim como as limitações funcionais e morbilidade associada aos tratamentos. A escolha de tratamento deve ainda ter em conta a experiência e capacidade técnica de cada Centro.
Podem ser usadas diversas modalidades de tratamentos combinados ou sequenciais:
Cirurgia primária
Seguida de radioterapia pós-operatória com ou sem quimioterapia associada (modalidade preferencial nos tumores da cavidade oral).
Quimioradioterapia definitivas (QTRT)
Utiliza-se radioterapia externa combinada com quimioterapia com cisplatino, com intenção curativa (opção preferencial na orofaringe, hipofaringe ou laringe quando se pretende a preservação de órgão/função).
Quimioterapia de indução seguida de cirurgia ou QTRT
Utiliza-se um esquema de quimioterapia com vários fármacos (incluindo um platino), com objectivo de reduzir a extensão da doença. Posteriormente o doente é submetido a cirurgia ou quimioradioterapia definitivas (permite melhor ressecabilidade e irradiação com menor morbilidade).
Tratamento da recorrência/metastização
O tratamento da recidiva locorregional após terapêutica prévia é complexo e deve ser sempre avaliado pela equipa multidisciplinar, podendo passar por cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia, após ponderação da extensão, localização e ressecabilidade do tumor, tratamentos prévios e estado geral do doente.
Quando o doente apresenta recorrência local irressecável e/ou metastização à distância, o tratamento sistémico (quimioterapia ou imunoterapia) e os Cuidados Paliativos são as opções mais apropriadas.
A combinação de quimioterapia com imunoterapia (pembrolizumab) ou a imunoterapia em monoterapia em primeira linha de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço irressecável ou metastático foi recentemente aprovada nos tumores com expressão de PDL-1 (CPS>1) e representa um grande avanço no tratamento destes doentes. A quimioterapia é utilizada em vários esquemas de tratamento baseados em platinos, taxanos e 5-Fluoracilo, associados ou não ao anti-EGFR cetuximab, tanto na primeira linha (em combinação) como em linhas subsequentes (muitas vezes em monoterapia). A imunoterapia é também utilizada em 2ªlinha dos doentes com resistência ao platino.
Com o advento da imunoterapia e de novos esquemas terapêuticos, o desafio da sequenciação terapêutica para a obtenção de melhores resultados é alvo de muita investigação, procurando prolongar o benefício dos tratamentos, preservando e promovendo a qualidade de vida do doente.