Sofrimento Psicológico
Ansiedade, Depressão e Insónia
Embora a depressão não seja a resposta mais comum perante a doença, podemos dizer que é bastante frequente entre a população oncológica. No entanto, muitas das vezes é subvalorizada pela ideia de que é “impossível atravessar um processo de doença sem que exista uma depressão reativa associada”, mas também pelas dificuldades encontradas em distinguir sintomas de depressão dos sintomas decorrentes do cancro e dos seus tratamentos.
A avaliação destes sintomas é fundamental nas diferentes fases da doença, pois por vezes há desvalorização e uma tentativa por parte do próprio doente para reprimir emoções negativas, focando-se muito “na batalha contra a doença”. Além disso, o agravamento do estado de ânimo ocorre com frequência após a fase de tratamentos e o doente sente dificuldade em atribuir-lhe um significado, pois pensa que é suposto sentir-se aliviado por ter alcançado o objetivo da sobrevivência.
A ansiedade é também uma experiência frequente na maioria dos doentes, porque o cancro pode ser interpretado como uma ameaça à vida. Além disso, instintivamente, a avaliação dos desafios a enfrentar ao longo desta jornada acaba por determinar o desenvolvimento destes sintomas, que também podem assumir contornos fisiológicos ou comportamentais. Junto destes doentes, a ansiedade deve ser sempre avaliada, com objetivo de proporcionar alívio, mas também para prevenir o desenvolvimento de outros quadros clínicos ou de estados causadores de mal-estar significativo, como por exemplo, ataques de pânico, que podem dificultar o curso terapêutico.
A par da depressão e estados de ansiedade, a insónia é uma perturbação do sono frequentemente descrita no doente oncológico. Esta perceção de má qualidade de sono pode estar associada a causas diversas, relacionadas com características da própria doença e tratamentos, mas também encontrar uma relação de causalidade com os estados emocionais do doente, influenciando-se reciprocamente e exacerbando a sua condição clínica.
Deste modo, importa ter em consideração todos os sinais de alerta, não descurando a história psiquiátrica prévia de cada um, características individuais e etapa do ciclo de vida em que se encontra. Estes fatores podem contribuir para desenvolver os quadros acima descritos.
A avaliação dos sinais de alerta pode ocorrer em qualquer fase do processo terapêutico (idealmente nos diferentes momentos da doença), sendo mais abrangente e fidedigna se utilizados instrumentos orientados para avaliar os indicadores a atingir, nomeadamente:
- A Qualidade de vida: através do Questionário de Qualidade de Vida da Organização Europeia para a Investigação e Tratamento de Cancro (EORTC QLQ-C30);
- O Sofrimento Emocional: que pode ser avaliado pelo Termómetro do Distress;
- Ansiedade e Depressão: pela Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (EADH);
- Estratégias de Coping: pelo Questionário de Formas de Lidar com o Cancro (CCQ).
Diferentes intervenções têm sido implementadas neste tipo de população e, de acordo com a evidência, as cognitivo-comportamentais têm-se mostrado mais eficazes no alívio de quadros depressivos e ansiosos. Entre as estratégias mais comuns podemos destacar: Treino de resolução de problemas; Controlo de Contingências; Relaxamento Muscular progressivo ou Relaxamento Imagético, entre outras.
Referências:
Moorey, S., Frampton, M. & Greer, S. (2003). The cancer coping questionnaire: A self rating scale for measuring the impact of adjuvant psychological therapy oncoping behavior. Psycho-Oncology, 12, 331-344.
Pais-Ribeiro, J., Silva, I., Ferreira, T., et al. (2007). Validation study of a Portuguese version of the Hospital Anxiety and Depression Scale. Psychology, Health & Medicine, 12 (2), 225-237.
Pereira, M.G., Teixeira, R.J. & Figueiredo, P. (2010). Rastreio emocional breve de doentes de quimioterapia: Um projeto português. Anais do 11º Congresso Brasileiro de Psico-oncologia e IV Encontro Internacional de Cuidados Paliativos em Oncologia. Brasil: Rio de Janeiro.
Torres, A., Pereira, A. & Monteiro, S (2014). Estudo de validade da versão portuguesa do Questionário de Formas de Lidar com o Cancro. Revista Iberoamericana de Diagnóstico e Avaliação Psicológica, 38 (2). 199-217.
Papel do psicólogo
O cancro enquanto doença crónica e por vezes incapacitante implica que o doente seja confrontado com diferentes fases de adaptação a nível psicológico, ao longo da evolução do seu quadro clínico.
O diagnóstico de cancro impõe uma alteração ou mudança no percurso de vida do doente. Independentemente da fase do ciclo de vida em que se encontra ou do seu trajeto de vida, o doente oncológico sofre por vários motivos: porque pode interpretar o diagnóstico como uma ameaça à sua sobrevivência; porque sente que não tem recursos para lidar com este acontecimento de vida inesperado; porque esta doença pode limitar a sua funcionalidade; porque estas limitações se expandem aos territórios da interação familiar, profissional e social, representando disrupção no trajeto de vida; porque, apesar dos progressos da ciência, as principais modalidades de tratamento continuam a ser invasivas e ainda porque nalguns casos o doente se vê obrigado a ser submetido a cirurgias mutiladoras.
Estas condições podem trazer consigo sofrimento emocional e, embora alguns doentes se consigam ajustar de forma bem-sucedida à doença, outros têm uma reação mais desadaptativa. As respostas emocionais mais comuns são a ansiedade e a depressão, incluindo a expressão de sentimentos de medo, raiva, revolta e por vezes desesperança.
A componente psicológica no tratamento do cancro tem assumido uma importância cada vez maior, considerando-se essencial a integração do psicólogo nas equipas multidisciplinares de saúde em contexto clínico. O ajustamento ao processo de doença, incluindo a manutenção das atividades interpessoais, ocupacionais, sociais e sexuais, bem como o alívio de qualquer estado emocional desagradável, pode ser facilitado por este tipo de intervenção de um psicólogo.
De facto, ajudar os doentes a adquirirem e a alcançarem comportamentos e atitudes que lhes permitam lidar de forma mais eficaz com o cancro pode contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida, assim como dos seus familiares.
Uma das principais tarefas a ser desempenhada pelo psicólogo é a de minimizar ao máximo os problemas que se colocam aos doentes com cancro ao longo das diversas fases da doença, cada uma destas com riscos diferentes de morbilidade psicológica e com necessidades de acompanhamento distintas por parte dos doentes e das suas famílias.
Desta forma, o psicólogo clínico na área de oncologia deve desempenhar vários papéis, entre os quais se destacam:
- Realizar uma avaliação compreensiva do doente e da sua família, tendo em conta a representação do cancro para as pessoas envolvidas, a sua definição de qualidade de vida, cultura e o seu papel familiar e social;
- Identificar as suas preocupações e necessidades psicossociais únicas;
- Considerar o tipo específico de cancro, a fase da doença e preparar o doente e a sua família para os desafios comuns a cada uma delas facilitando a sua adaptação;
- Aliviar estados de ansiedade, medos e alterações comportamentais associadas à: realização de exames, tratamentos e outros procedimentos médicos, consultas de vigilância, entre outros;
- Reduzir níveis da depressão;
- Intervir ou auxiliar o doente a lidar com os efeitos secundários da doença e do tratamento: dor, insónia, dificuldades sexuais, alopecia, fadiga, náuseas e vómitos;
- Facilitar a adaptação a alterações da imagem corporal, quer sejam temporárias ou efetivas;
- Mediar possíveis conflitos familiares gerados ou exacerbados pela enfermidade ou pelos seus tratamentos – envolver sempre que possível o parceiro/a em consulta;
- Promover estratégias de comunicação eficazes junto da equipa de profissionais de saúde, familiares e outros significativos, visando sobretudo um melhor entendimento da doença e um maior envolvimento ao longo de todo o processo;
- Lidar com questões espirituais ou existenciais relacionadas com o cancro;
- Promover uma melhor adesão aos tratamentos com objetivo de alcançar melhores resultados clínicos;
- Incentivo ao desenvolvimento de hábitos de vida mais saudáveis e auxílio na cessação de consumos que podem funcionar como fatores de risco para desenvolvimento da doença ou como potenciadores da mesma (ex: álcool e tabaco);
- Estender o acompanhamento psicológico aos familiares, cuidadores e profissionais de saúde;
- Orientar grupos de intervenção terapêuticos, com base Cognitivo-Comportamental, Psicoeducativos e de Suporte-Expressão, utilizando estas abordagens de forma individual ou combinada;
- Propor intervenções individuais e organizacionais dirigidas à equipa de profissionais de saúde, visando prevenir o bournout e fortalecer o envolvimento no trabalho;