Junto da família: quando um familiar sofre de cancro

Os familiares dos doentes diagnosticados com cancro também podem necessitar de apoio emocional. Estudos revelam que a doença afeta não só a vida do doente, que sofre alterações em todos os domínios (físico, psicológico e social), mas também a dos seus familiares mais próximos. Esta mudança tem, naturalmente, implicações psicológicas consideráveis.

  
  

A dimensão e o significado dessa mudança dependerão de:

  • Qual a pessoa da família diagnosticada com cancro;
  • O tipo de cancro e dos tratamentos implicados;
  • Circunstâncias familiares: se tem pessoas a seu cargo ou não ou do número de pessoas do agregado familiar;
  • Qual o envolvimento profissional e disponibilidade para ajudar o familiar em causa;
  • Como o doente reage à doença;
  • Como os familiares lidam com a natureza incerta da evolução da doença.

O tratamento e a evolução da doença surgem e são processadas como etapas, às quais os familiares têm de se adaptar. E cada etapa exige, naturalmente, competências e níveis de disponibilidade diferentes por parte dos familiares.
Em geral, os doentes com cancro apresentam períodos de tranquilidade intercalados com períodos de crise, em que podem manifestar reações de ansiedade e depressão. Estas crises acontecem geralmente de forma repentina e inesperada, pelo que os seus familiares devem estar cientes e preparados para lidar com a situação.

Comunicação sobre a doença com filhos menores

  • Como contar aos meus filhos que tenho cancro?
  • Devo contar? Não devo contar?
  • O que devo contar?

Estas são as principais dúvidas das famílias em que existe cancro parental. Como cada família e cada situação clínica têm as suas particularidades, não é possível fornecer respostas universais a estas questões. A colaboração de um(a) psicólogo(a) pode ajudar a família a encontrar a forma mais apropriada de falar com os filhos sobre a doença parental, adequando às especificidades de cada caso clínico e de cada família. Ao longo do processo de doença é compreensível que os pais pretendam proteger os seus filhos, principalmente quando são menores de idade. Mas, independentemente da idade, os filhos conseguem aperceber-se de que ocorreram mudanças na família, não só nas rotinas e nas dinâmicas, mas também no estado de humor e nas reações dos familiares. Por isso, é aconselhável que se fale abertamente sobre a doença e sobre as mudanças que irão ocorrer na família e no(a) próprio/a pai/mãe que tem cancro. Quando não se fala da doença, os filhos podem sentir que não podem expor as suas preocupações/dúvidas e poderão obter conhecimentos sobre a doença parental ao ouvir conversas alheias. Esta aprendizagem informal pode fazer com que se criem ideias erradas sobre a doença do pai ou da mãe.

Usar o nome médico da doença desde o início pode prevenir que se criem confusões nos filhos quando, em algum momento, ouvirem falar que um dos pais tem cancro. Nas crianças ao se falar no “bichinho”, “coisa má”, “monstro”, entre outros, pode fazer com que pensem que, quando estiverem doentes, a sua doença irá exigir os mesmos cuidados que a doença do pai ou da mãe exige. Nestes casos, é importante reforçar que a doença de um dos pais não é contagiosa e que não é por se ter contacto com o pai ou com a mãe que se poderá ficar igualmente doente. Além disso, nos filhos com menos de 10 anos é importante ir reforçando de que nada do que fizeram provocou a doença parental. Porém, é sempre importante dar exemplos e situações que a criança consiga compreender. Mais importante do que usar a palavra “cancro”, é explicar que o pai ou a mãe está doente e antecipar possíveis mudanças que irão ocorrer na família. Os adolescentes, por norma, sentem necessidade de obter diversas informações sobre a doença. Se a informação não chega pela família, podem procurar informações em fontes pouco fidedignas ou descontextualizadas, criando a perceção de que a doença parental é mais grave do que possivelmente poderá ser.

Quando se decide partilhar com os filhos que o pai ou a mãe está doente, é útil fornecer informação clara sobre a doença e sobre os tratamentos propostos. Por isso, poderá ser mais fácil que esta partilha ocorra quando já tiver informações mais específicas sobre o quadro clínico. No entanto, há que refletir sobre a possibilidade de os filhos ouvirem alguma conversa e descobrirem que um dos pais está (ou pode estar) doente . Esta descoberta acidental  pode criar ideias erradas  ou ainda levar a uma falta de confiança na família. Nestas situações, os filhos poderão sentir-se enganados e, consequentemente, sentem-se inseguros. Além disso, os filhos podem aperceber-se de mudanças físicas e psicológicas nos pais mesmo antes de existir um diagnóstico claro. Nestas situações pode ser explicado que um dos pais está a fazer exames e que tem uma equipa de médicos empenhados em descobrir o que se passa.A partilha e o diálogo sobre a doença parental é sempre um momento emocionalmente exigente para todos os envolvidos. Por isso, pode ser benéfico que esteja presente uma pessoa que seja fonte de apoio para a família. Se existir um adulto (como um tio, um amigo) que seja uma figura significativa para os filhos, pode tentar-se que esteja  presente no momento de partilha, para dar apoio e segurança emocional a todos.

Não é forçoso que seja a mãe ou o pai com cancro a dar a notícia, mas a sua presença  pode ser benéfica para os filhos, na medida em que sustenta a ideia de que existe abertura para se falar sobre este assunto. O diálogo sobre a doença parental não deve ocorrer apenas num único momento, mas também não existe necessidade de ser diária. Este tema deve surgir sempre que um dos elementos da família sinta necessidade em abordá-lo. Durante o diálogo é importante que os filhos sintam que existe abertura e disponibilidade por parte dos pais para ouvirem as suas dúvidas e preocupações. Porém, é igualmente essencial que exista respeito pelo desejo de não se falar da doença. Os filhos poderão preferir abordar este assunto com um(a) amigo(a) ou com outro adulto significativo para si . Assim, este desejo deve ser respeitado e pode até ser antecipado. A antecipação pode ser formulada, por exemplo, assim”: “Imagino que às vezes vais querer falar sobre o que estamos a passar, mas que não o queiras fazer comigo. Nessas alturas podes falar com a tia/tio/professor. Ela/ele está sempre disponível para te ouvir e vai guardar segredo.”

Nos adolescentes, a partilha do diagnóstico parental com outros elementos educativos ( como professores  ou treinadores) deve ser feita apenas depois de saber se o adolescente concorda com esta ação.

Uma comunicação adequada com os filhos sobre o cancro parental ajuda os filhos, mas também os pais, a lidarem com este novo e inesperado acontecimento de vida. Se os filhos tiverem conhecimento da doença parental, estarão mais preparados para lidar com os desafios que esta situação coloca a toda a família. Ao longo da trajetória da doença parental é normal que os filhos experimentem sentimentos intensos e desagradáveis. Neste percurso, é importante que  saibam e sintam que podem falar aberta e livremente sobre os seus sentimentos, dúvidas ou angústias..

Um psicólogo poderá ajudar os pais a gerir e lidar com os novos desafios da parentalidade.

Para obter mais informações sobre esta temática pode consultar o site paiscomcancro.wixsite.com/site e aceder aos contactos disponíveis.

Lidar com a incerteza na evolução da doença

A incerteza da evolução da doença é um dos aspectos que mais perturba os familiares. De facto, é muito frequente os familiares colocarem questões para as quais não existe uma resposta simples tais “como será que a doença pode ser curada?”, “o doente irá sofrer?” ou “como é possível ajudar?”. O cancro é uma doença cuja evolução varia consideravelmente dependendo, por exemplo, do tipo de tumor e das características do próprio doente.

Sugestões que podem ajudar a combater a incerteza

Para evitar interpretações erróneas ou distorcidas recomenda-se o acompanhamento do doente nas consultas médicas por alguém que se mantenha informado e tenha uma visão realista da doença, entre outros aspectos fundamentais, para poder dar apoio.

Evite criar ideias preconcebidas sobre o processo da doença. A sua reação emocional baseia-se nas suas percepções, naquilo em que acredita. Se a sua atitude for muito pessimista e não corresponder à realidade, terá mais dificuldade em apoiar o doente. E, sempre que tiver dúvidas, consulte a equipa médica.

O papel do familiar

O papel do familiar na ajuda emocional ao doente é fundamental para que este se sinta apoiado e reconfortado: motiva o doente a ganhar forças e a continuar os tratamentos. O tipo e relevância do apoio que o familiar pode dar é único e diferente do proporcionado pelos amigos ou profissionais de saúde: é uma fonte de conforto e confiança.
Estudos sobre a adaptação psicológica de mulheres com cancro da mama verificaram uma melhor adaptação das doentes quando os familiares próximos permitiam maior expressividade emocional. Além disso, verificaram menos conflitos interpessoais no seio familiar.

Sugestões que podem ajudar a minimizar o stress no doente

Informe-se sobre o tipo de cancro do seu familiar, quais os tratamentos a que será submetido e qual a provável evolução. A participação ativa e informação permitem combater ideias pré-concebidas e prejudiciais para a relação do doente com os outros como, por exemplo, que o cancro é fatal ou contagioso.

Preveja as adaptações no dia a dia e do ponto de vista financeiro. Rotinas tais como fazer compras, cozinhar ou acompanhar os filhos são tarefas que podem ficar comprometidas sem ajuda.

  

Quando o cônjuge sofre de cancro

Quando o cônjuge sofre de cancro é natural que a sua cara metade possa sentir-se igualmente mal. Afinal, estudos mostram que ambos os membros do casal sofrem emocionalmente quando um tem cancro. Há quem chegue a duvidar de ter capacidade para ajudar durante a sua doença.

Após o diagnóstico, o cônjuge pode assumir um novo papel: o de cuidador. Isto é, a pessoa que tentará superar esses obstáculos e prestar apoio emocional nos períodos em que o doente apresenta maiores dificuldades e limitação da sua autonomia.

Prestar apoio emocional significa

  • Mostrar tolerância perante a menor disponibilidade do doente;
  • Mostrar empatia com as dificuldades e sofrimento. Ou seja, ter capacidade de se colocar no lugar do doente e avaliar as dificuldades do seu ponto de vista;
  • Comunicar eficazmente para tentar compreender as dificuldades do doente, bem como clarificar o que não entende para evitar equívocos;
  • Organizar e estabelecer o papel de todas as pessoas do agregado familiar nas tarefas de casa e no apoio ao doente. Não procure fazer tudo sozinho ou ser o cuidador perfeito: é fundamental que cuide de si próprio;
  • Expor as dúvidas à equipa médica e, na medida do possível, acompanhar o processo clínico do doente;
  • Ajudar na tomada de decisões sobre as opções de tratamento, conversando com o doente, ouvindo-o e ajudando a esclarecer aspetos menos claros;
  • Partilhar com o doente as informações obtidas sobre a sua doença;
  • Esperar pelo momento ideal para conversar sobre medos e sentimentos. Deixe claro que está sempre disponível para ouvir.

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